Era uma vez um livro, era uma vez um leitor curioso e era uma vez um narrador ainda mais
curioso.
Pedro era um leitor assíduo e incansável, era um menino de dez anos que se deliciava ao ler
histórias de aventuras, um dia ao visitar a biblioteca encontrou numa estante quase vazia um
livro sem nome, capa preta e isso o motivou a folhear suas páginas amareladas e empoeiradas.
Abriu o livro timidamente, mas ao encontrar as primeiras palavras, sentiu algo estranho, as
palavras começaram a se movimentarem e quando se deu por si, lá estava ele, dentro do livro.
As figuras estavam paradas o que era esquisito afinal, ele estava dentro de um livro de
histórias o que já era estranho estar ali.
Pedro esfregou os olhos sem acreditar no que via, pássaros parados no ar, nem uma leve brisa,
as árvores tinham cores foscas, as roupas estendidas no varal pareciam pedados de papel, o
cabelo arrepiado da velhinha na janela e os gatos suspensos no ar.
Um detalhe lhe chamara a atenção, os personagens estavam com rostos assustados e olhos
muito arredondados, e sem narizes. Pedro coçou a cabeça sem entender o motivo dele estar
ali, o livro era por acaso um livro mágico?
Ele caminhou por um longo tempo e tudo continuava parado, mas algo no horizonte o chamou
a atenção, era um homem alto que balançava a cabeça, braços e pernas, era um daqueles
bonecos de posto?
Pedro andou em sua direção, mas seu movimento era tão devagar que logo se cansava, era
preciso respirar para continuar.
Pedro notou bem a sua frente um menino olhando para uma pipa no céu, que deveria estar
voando, mas ela estava ali parada, ele pensou estar vivendo um pesadelo, mas ele se sentia
bem acordado.
O menino nem piscava, não tinha nariz, apenas olhava para a pipa intacta no ar, Pedro curioso
se atreveu a perguntar, ele não esperava resposta alguma, mas perguntou mesmo assim:
__ Quem é você?
O menino para a sua surpresa respondeu:
__ Eu não sei, normalmente eu brinco com a pipa mas de repente tudo mudou, alguém parou
de descrever o que eu tinha que fazer.
__ Mas como isso é possível?
O menino disse ainda mais lentamente:
__ Estamos numa história, você não acha que as cenas deveriam estar em movimentos? Você
acha que ficar parado não cansa?
__ Há quanto tempo está assim?
__Desde que aquele louco ali chegou!
Pedro entendeu que não poderia ficar ali esperando mais uma resposta lenta do menino e
caminhou até o homem, seus movimentos causavam uma confusão mental no menino que
ainda acreditava estar vivendo num pesadelo.
__Senhor?
O homem olhou para o menino com um certo espanto.
__ O que foi menino?
__ O que está acontecendo aqui?
__ Nada, não está percebendo?
Pedro olhou para o homem que tinha um olhar vibrante, olhos pretos e grandes que pareciam
saltar do rosto.
Ele percebeu que assim como o menino da pipa. não tinha nariz, então ele tocou o próprio
nariz para ver se ainda tinha um nariz. Que alívio, ele tinha um nariz.
Mas por que o nariz seria importante para aquele momento, tudo já não era estranho? Ter um
nariz ou não, não parecia fazer diferença.
Pedro olhou para o céu e teve uma brilhante ideia e logo fez uma pergunta ao homem, o único
que estava ali e que se movimentava livremente:
__ O Senhor pode me dizer quem é o Senhor nessa história?
__ Eu não faço parte dessa história, eu sou o narrador, eu estava cansado de ficar só olhando.
Pedro ficou parado olhando para o narrador da história sem entender, mas como era um
menino experiente e aquela situação o deixou indignado e disse com uma voz firme:
__ O Senhor é algum maluco? Era só o Senhor narrar a história em primeira pessoa e acabaria
logo com essa confusão. De quê adianta ser o narrador se a história não pode começar e nem
terminar?
O homem de repente parou, ficou olhando para o menino inteligente e pequeno, sorriu e abriu
os braços para um abraço.
Voltaram caminhando para o início do livro.
O homem saiu pelas bordas do livro junto com Pedro que agora estava novamente na
biblioteca com o livro na mão.
O livro já não era o mesmo e nem Pedro e por maior que fosse a maluquice e que pensava em
ter vivido um pesadelo, ainda não conseguia racionalizar aquela situação, ode já se viu um
narrador se cansar de contar uma história?
Ele fechou o livro e olhou mais uma vez a última página para ter certeza que as palavras ainda
estavam ali, leu em letras miúdas no finalzinha da folha uma pergunta que o fizera pensar por
um longo tempo.
Como seria a sua vida sem a grandeza e a imaginação de um grande narrador do qual criou
tudo que existe?